Indivíduos Sob Cerco
Anderson Faria
É vexatória a maneira como a sociedade trata o indivíduo. Desde o berço o indivíduo se vê preso a regras de conduta que o aprisionarão aos poucos, e que limitarão sua capacidade de criação, de pensamento, e de ponderação. A limitação que a natureza o impõe é substituída por uma prisão, e esta prisão é o modelo social em que o indivíduo é obrigado a viver. É como se uma cerca invisível fosse sendo construída em volta dele, uma cerca que o prende dentro de padrões de comportamento que podem não condizer em absoluto com sua índole.
Esta cerca começa a se formar dentro do seio da família, os seres humanos nascem prematuros demais para se virarem sozinhos e o resultado disso é que os pais criam seus filhos como pequenos vegetais a serem moldados à revelia da vontade natural que ainda precisa se formar – o que acontece na maioria das vezes é que se formam daí indivíduos reféns da vontade da família da qual seio se criaram – este é um grande engano, pensar que crianças, em sua pureza, não têm discernimento nenhum, elas o tem, e é um discernimento cego para preconceitos, inocente na verdade, absoluto na sinceridade. E durante sua formação no seio de sua família, isto pode se perder irremediavelmente.
Mas ainda há muito mais cercas ao longe. A criança, como indivíduo, depois de ser adestrada para a vida em família, precisa também ser adestrada para a vida social e é aí que a barganha dos seus Direitos Individuais se torna ainda mais injusta. Aos poucos o indivíduo se vê obrigado a lidar com uma série de regras sobre as quais ele é não pode questionar sem represálias. E há um contra-senso nisto, pois a questão de sua formação deveria ser tratada, sobretudo como sendo de seu mais alto interesse. E assim os seres humanos crescem sem saberem questionar, reivindicar, e a se construírem de forma absolutamente apropriada respeitando sua natureza primordial. Graças às autoridades a quem legamos o direito de nos governar vamos aprendendo o que não precisamos em detrimento daquilo que realmente nos interessa. Sendo absorvidos pelo aprendizado de cânones que os deixam perturbados com suas próprias consciências, divididos no que querem ser e no que os outros esperam que sejam; e a balança pesa contra o indivíduo em favor da sociedade. Um grande engano, pois os indivíduos é que formam a sociedade. Os indivíduos crescem não sabendo reconhecer o Direito Individual¹ que a eles pertencem.
Nota 1 - “Direitos” são um conceito moral—o conceito que estabelece uma transição lógica dos princípios que guiam ações individuais aos princípios que guiam sua relação com outros—o conceito que preserva e protege a moralidade individual em um contexto social—o vínculo entre o código moral de um homem e o código legal de uma sociedade, entre ética e política. Direitos individuais são os meios de subordinar a sociedade à lei moral.
(Rand, Ayn. Direitos do Homem in A Virtude do Egoísmo)
E na medida em que crescem os indivíduos, a cerca que os envolve cresce junto, os protegendo, os limitando e os cercando de todos os lados. Sendo tão irresponsavelmente preparados, muito poucos serão aqueles cujo discernimento se manterá intacto ao longo de suas vidas e a estes os governos considerarão perigosos e as igrejas os tacharão de hereges em ato desesperado de calar os arautos da Pura Vontade do Indivíduo. Desta forma quase tudo o que lemos, assistimos e ouvimos, tem sido produzido por mentes despreparadas para mentes preguiçosas. Gerando uma rede de interesses ilegítimos que visam, tão somente, a manutenção da ordem secular construída, constituída e mantida por macacos adestrados.
Assim continuamos “crescendo” – como cegos seguindo cegos, ou com pescoços irremediavelmente inclinados ao chão, ou ainda com olhos inchados que não conseguem enxergar a luz – seja como for, nos desviando da verdade, seja por ignorância, seja por medo, por preguiça ou por aversão à verdade. É interessante que às vezes os indivíduos se unem em grupos de interesse em comum, buscando uma verdade adequada aos seus próprios anseios – e o espírito de liberdade grita! E em busca de uma individualidade perdida nos associamos a uma coletividade mais sucinta, e por paradoxo o indivíduo pode experimentar a sensação de uma liberdade tardia, pois pode optar em stricto sensu sobre as leis de convivência neste determinado grupo. E desde que o indivíduo esteja armado das ferramentas necessárias para optar, e a principal dentre estas ferramentas é a argumentação, pode ser que o indivíduo tenha voz ativa em determinado grupo, mas há ainda um paradoxo, o indivíduo só poderá ser verdadeiramente um agente de transformação eficaz se tiver genialidade e argúcia, e estas ferramentas só podem ser usadas em sua total amplitude se o seu detentor for capaz de trabalhar incógnito de intenção. Este desconhecimento de intenção representa os anseios mais íntimos e, portanto aqueles que são inerentes aos desejos puramente individuais do ser, de onde advém a legitimidade dos Direitos Individuais.
Genialidade, argúcia e trabalhar incognoscível na intenção são qualidades encontradas naqueles indivíduos considerados gênios da arte e do livre-pensamento. E tanto os manifestadores da pura arte quanto os puros livre-pensadores têm sido raros. As necessidades de uma sociedade ávida de recursos materiais têm negligenciado o suporte e a liberdade necessários à formação de uma sociedade que respeite o indivíduo como o que é, o componente mais importante de sua própria coletividade, de seu universo relativo. É sumamente necessário que os arautos do pensamento livre possam portar os archotes da Razão Pura. E que todos possam pensar livremente e expor seus pensamentos ao julgamento legítimo de outros capazes de julgar semelhantes idéias sem resquícios de dogmas, preconceitos, falsa moral ou superstição.
A História tem narrado a luta dos homens de ciência para se defenderem dos propagadores da superstição. E quando se diz homens de ciência, isto não se refere somente aos cientistas, mas a todos os buscadores da verdade, incansáveis mártires e vítimas da má-vontade dos supersticiosos. Muitos foram aqueles que iluminados como eram e que tiveram dificuldades para fazerem com que a humanidade desse mais um passo em direção à evolução. Uns a duras penas foram torturados, queimados, julgados infames; outros simplesmente ignorados e mal-compreendidos, desprezados em seu próprio tempo, e tantos outros obrigados ao exílio e a execração. Para citar alguns: Pitágoras (só é lembrado devido ao seu famoso teorema, talvez o menor obra de seu legado, tamanha a profundidade de seus questionamentos e reflexões), Sócrates (por defender a investigação da verdade, morto envenenado por seus rivais após um julgamento ridiculamente injusto), Giordano Bruno (padre e filósofo morto pela inquisição por defender a teoria heliocêntrica de Copérnico), Galileu Galilei (também torturado pela inquisição por defender as teorias de Copérnico), Roger Bacon (o defensor da inteligência de seu tempo, combateu exemplarmente a hipocrisia da Igreja no século XI), Jacques de Molay (queimado pela inquisição por retratar-se pela confissão que lhe foi tirada sob tortura e por declarar por essa retratação a inocência dos Cavaleiros Templários), Voltaire (defensor da verdade e inimigo dos infames e supersticiosos), Adam Weishaupt (um verdadeiro paladino contra o fanatismo e superstição), Edward Aleister Crowley (por declarar corajosamente e de forma absoluta uma lei de emancipação do homem dos ditames da superstição e da ignorância além de ser um grande divulgador da religiosidade pura), Michael Maier, Jacob Boheme e John Velentine Andreä (por divulgar os ideais de boa vontade, amor, solidariedade e sabedoria em seus livros, sendo estes verdadeiros archotes da filosofia sagrada), entre tantos outros também importantes, mas que, no entanto não serão detalhados, Geràrd Encausse, Wolfgang von Goethe, Alphonse Louis Constant, Baruch Spinoza, Denis Diderot, La Mettrie, Helvetius, Barão d’Holbach, d’Alembert e Immanuel Kant, quão injusto foi construir esta pequena lista, muitos outros de tanta ou maior importância foram neste momento esquecidos.
Mas as obras destes não têm sido em vão. A humanidade tem crescido graças à ciência e ao entendimento, e a ciência cresceu graças à busca sincera por entendimento do homem. Em breve teremos veículos com motores a Hidrogênio circulando por estradas e ruas de todo o mundo, consumindo Hidrogênio líquido armazenado em reservatórios, semelhantes aos usados para gás natural, somado ao Oxigênio para gerar eletricidade, e que liberarão, após a reação, vapor de Água! As pesquisas genéticas avançam e em breve varias doenças, hoje incuráveis, serão tratáveis e curáveis, e com o avanço das pesquisas com células-tronco, este verdadeiro elixir da longa vida descoberto pelos adeptos da ciência pura, tantas outras moléstias de origem genética ou não serão facilmente curadas.
É preciso separar o joio do trigo e aplicar cada um onde convém mais. “Não conheces tu aquele velho Enigma, se é ou não legal pagar tributo a César?” (Master Therion. The Equinox, Volume III, Number VI.) – pois bem que à ciência sejam as pesquisas, à ética seja a reta condução do propósito, aos buscadores da verdade além da verdade, que a Verdade os dirija em sua Busca, e que os supersticiosos sosseguem e não tagarelem enquanto o espetáculo da evolução humana toma seu lugar. Pois é chegado o tempo em que os homens pararão de se cabecearem acusando-se uns aos outros de erro e juntos em Paz e Fraternidade, Verdade e Liberdade, Tolerância e Igualdade, construirão os pilares de uma nova humanidade, esta sim cheia de Luz, Amor, Vida e Liberdade, pois como disse John Adams, “A Liberdade não pode ser preservada sem um entendimento geral entre as pessoas... Deixe-nos ousar ler, pensar, falar e escrever.”
E para fechar este modesto artigo... “Aquele que não fecha seus ouvidos aos lamentos dos miseráveis, nem o seu coração à nobre piedade; quem é amigo e irmão do infeliz; quem tem um coração capaz de amor e amizade; quem é firme na adversidade, infatigável na Realização de qualquer coisa em que esteja envolvido, destemido na superação das dificuldades; quem não ridiculariza e despreza os fracos; aquele cuja alma é suscetível de conceber grandes projetos, ansioso de erguer-se superior em todas as motivações básicas, e de distinguir-se pelos feitos de benevolência; quem evita a ociosidade; quem não considera nenhum conhecimento que ele possa ter a oportunidade de adquirir como desnecessário, que considera o conhecimento da humanidade como o seu principal estudo, qualquer que seja este conhecimento, e que quando a verdade e a virtude estão em questão, despreza a aprovação da multidão, e é suficientemente corajoso para seguir os ditames do seu próprio coração...” (citação de Adam Weishaupt) sobre estes recai o dever de defender a verdade e se levantar contra a tirania e a superstição. E que a cerca da opressão ceda por si, ou ela será derrubada!